trabalhador

Em justa homenagem a Zumbi dos Palmares, um símbolo da resistência negra contra a escravidão, muitos municípios brasileiros instituíram como feriado o dia 20 de novembro, a exemplo dos municípios de São Paulo/SP (Lei 14.485/07), Campinas/SP (Lei 11.128/2002), Guarulhos/SP (Lei 5.950/2003), Natal/RN (Lei 6.458/2014), Porto Alegre/RS (Lei 11.971/2015) e tantos outros.

Vale mencionar que a Lei Federal nº 12.519/2011 institui o dia 20 de novembro como o “Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negrapara fins comemorativos, deixando, assim, de incluir tal dia no rol dos feriados civis nacionais.

Assim, até hoje, a dúvida que se estabelece é saber se a decretação de feriado civil por lei municipal enseja na proibição das empresas em abrir o estabelecimento e, abrindo, se deve pagar em dobro o dia de trabalhado dos empregados.

Em 2015 eu escrevi sobre os reflexos trabalhistas do feriado da consciência negra decretado por lei municipal, mencionando leis e ponderando sobre sua constitucionalidade ou não, tendo em vista que a Constituição Federal reserva à União a competência para legislar sobre direito do trabalho.

Naquela oportunidade, após apontamento de algumas decisões judiciais, ponderei que os entendimentos estavam caminhando no sentido de reconhecer a legalidade das leis municipais que decretaram feriado o dia da consciência negra, com reflexos para fins trabalhistas, tal como configurar o dia como um “Descanso Semanal Remunerado” e, uma vez trabalhado, nascer a responsabilidade empresarial na remuneração em dobro.

ENTENDA AQUI OS DETALHES DAQUELA PUBLICAÇÃO.

Pois bem.

Passados três anos eu volto ao tema, já que a dúvida sempre retorna às vésperas do dia 20 de novembro, quando se comemora o dia da consciência negra em muitos municípios no País.

Com novas pesquisas me parece que a ponderação de 2015 ainda encontra eco em recentes decisões judiciais trabalhistas, que estão entendendo pela constitucionalidade de tais feriados municipais, embora no campo civil a questão ainda esteja controvertida.

Vejamos:

Em novembro/2013, no processo TRT/São Paulo nº 0003005-11.2012.5.02.0040, a 7ª Turma do Regional decidiu que ao instituir pela nº 13.707/2004 o dia da consciência negra como feriado no município de São Paulo o Município agiu no âmbito da competência a ele atribuída pelo art. 30, incisos I e II, da Constituição Federal para legislar sobre interesse local e de forma suplementar à legislação federal e estadual, uma vez que os legítimos representantes dos munícipes consideraram de interesse da cidade a instituição do feriado do Dia da Consciência Negra entre os dias de guarda da municipalidade, nos termos do art. 2º da Lei Federal nº 9.093/95.

A decisão acima acrescentou que não existe incompatibilidade com o que preconiza o art. 22, I da Carta Política, pois, se é certo que a instituição do feriado municipal acarreta repercussão, por exemplo, nas relações de trabalho e no comércio, não menos certo que tais repercussões, por si só, não implicam atuação do Município no sentido de legislar sobre Direito do Trabalho nem sobre Direito Comercial.

Em fevereiro/2015, no processo 0000094-02.2011.5.02.0027, ajuizado por um Sindicato de Comerciários em face de um Supermercado, requerendo o pagamento em dobro do feriado da consciência negra trabalhado, chegando o caso ao Tribunal Superior do Trabalho, a 3ª Turma declarou a constitucionalidade do referido feriado instituído em São Paulo pela Lei Municipal nº 14.485/07.

No caso acima o Relator do TST esclareceu que a própria Constituição Federal confere aos Municípios, no inciso I do art. 30, a competência para legislar sobre assuntos de interesse local e que a partir da tradição e do referido interesse local, tem a discricionariedade para instituir um feriado municipal, só podendo o Poder Judiciário descaracterizar a data como feriado na hipótese extrema de abuso manifesto na sua definição.

No bojo do mesmo processo o Tribunal Regional já havia entendido que a questão relativa ao caráter religioso do feriado compete ao legislador e este reconheceu a sua importância histórica, cultural e religiosa, e também o interesse local envolvido, não cabendo ao Poder Judiciário questionar tal valoração, sob pena de afronta aos princípios constitucionais da liberdade da isonomia e da liberdade de consciência e de crença.

Em abril/2017, no processo 101-22.2011.5.02.0050, também analisando uma decisão do TRT de São Paulo que havia indeferido o pagamento em dobro das horas trabalhadas no feriado de 20 de novembro no município de São Paulo, a 2ª Turma do TST reformou a decisão e decidiu pela validade para fins trabalhistas, sendo devido em dobro o trabalho neste dia, esclarecendo que o entendimento majoritário da Corte dá-se no sentido de que a instituição do feriado do “Dia da Consciência Negra” como feriado religioso municipal inscreve-se na competência conferida pela Constituição Federal aos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local (artigo 30, I, da CF).

Em maio/2017, no processo TRT/São Paulo nº 00008548520105020511, também analisando a constitucionalidade da mesma lei municipal mencionada, a 14ª Turma decidiu que o Município agiu no âmbito da competência a ele atribuída pelo art. 30, incisos I e II da Constituição Federal para legislar sobre interesse local e de forma suplementar à legislação federal e estadual, uma vez que os legítimos representantes dos munícipes consideraram de interesse da cidade a instituição do feriado do Dia da Consciência Negra entre os dias de guarda da municipalidade, nos termos do art.2º da Lei Federal nº 9.093/95.

Contudo, no âmbito civil, onde também se discute a proibição ou não de abertura de estabelecimento comerciais nos feriados mencionados, parece que a questão ainda está controvertida.

Em 2005, na ADI nº 3069, o STF , por unanimidade, julgou procedente, em parte, a ação para declarar a inconstitucionalidade da expressão “e feriado para todos os efeitos legais”, contida no artigo 2º da Lei nº 3.083, de 07 de outubro de 2002, do Distrito Federal, que também pretendeu instituir como feriado civil o dia 30 de outubro como data comemorativa em homenagem à categoria dos comerciários no território do Distrito Federal. O Tribunal acrescentou que implícito ao poder privativo da União de legislar sobre direito do trabalho está o de decretar feriados civis, mediante lei federal ordinária, por envolver tal iniciativa consequências nas relações empregatícias e salariais.

Em outubro/2015 o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2014.021507-5, proposta pela Federação do Comércio local, julgou procedente o pedido inicial, para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 6.458/2014 do município de Natal, que decretava como feriado o dia 20 de novembro para comemoração do dia da consciência negra.

O TJ/RN declarou a inconstitucionalidade por afronta ao art. 24 da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte, uma vez que este artigo retira a competência do município para legislar sobre matérias reservadas à União, como, por exemplo, legislar sobre direito do trabalho.

Em abril/2016 o Tribunal de Justiça de São Paulo, de forma contrária, em uma ação proposta pela Associação Comercial de Capão Bonito que contestou a competência municipal para instituir a Lei 3.317/09 que definiu o dia 20 de novembro como feriado para a comemoração do dia da consciência negra, acabou entendendo que o Município tem sim competência para decretar o feriado, fundamentando a decisão nos artigos 23, III, e 30, I, da Constituição Federal, julgando a ação improcedente.

Em dezembro/2016 o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no processo nº 0051147-02.2016.8.21.7000, por maioria de votos, julgou procedente uma Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada pelo Sindicato dos Lojistas em face da Prefeitura Municipal de Porto Alegre e respectiva Câmara de Vereadores, que questionava a validade da Lei Municipal nº 11.971/2015 que declarou feriado municipal o dia 20 de novembro, consagrado ao Dia da Consciência Negra e da Difusão da Religiosidade”, em Porto Alegre.

A alegação do Sindicato dos Lojistas foi de que a instituição de feriados é matéria de cunho trabalhista, cuja competência para legislar é exclusiva da União, consoante o art. 22, inc. I, da Constituição Federal e que ao Município só é dado a competência para legislar sobre interesse local conforme prevê a CF/88, artigo 30, inciso I, e, ainda, como exige a Lei Federal n.º 9.093/95, o Município somente pode declarar feriados religiosos os dias de guarda, desde que em número não superior a quatro, sendo que o “Dia da Consciência Negra e da Difusão da Religiosidade” não é dia de guarda.

Acolhendo a tese do Sindicato dos Lojistas o TJRS julgou procedente a ADI para declarar inconstitucional a Lei 11.971/2015, do Município de Porto Alegre, por afronta ao art. 8º da Constituição Estadual e aos artigos 22, inciso I, e 30, inciso I, ambos da Constituição Federal, destacando-se que estes dois últimos dispositivos configuram norma de reprodução obrigatória.

Assim, ainda há interpretações divergentes no âmbito civil/comercial.

Evidentemente, alguns segmentos discordam da instituição de mais um feriado, sob o argumento de elevação das despesas com horas extras, redução na produção e diminuição do movimento de vendas.

Pondero que na Câmara dos Deputados tramita o projeto de lei nº 296/2015, que institui o dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, como feriado nacional, tendo parecer favorável das Comissões de Cultura e  da Constituição e Justiça (out/2017), mas com um parecer desfavorável da Comissão de Desenvolvimento Econômico. O Projeto continua em tramitação.

Portanto, atualmente, se ainda pairam dúvidas, nas discussões de âmbito civil/comercial, sobre a constitucionalidade dos feriados da consciência negra decretados por leis municipais, na esfera trabalhista a questão caminha no sentido de reconhecer a legalidade de tais normas municipais, com os respectivos reflexos trabalhistas, tal como configurar o feriado como um “Descanso Semanal Remunerado” e, uma vez trabalhado, nascer a responsabilidade empresarial da remuneração em dobro.

Contudo, no Brasil, dizem que até o passado é incerto. Talvez a questão chegue, um dia, a ser decidida no Supremo, exceto se o PL 296/2015 da Câmara dos Deputados for aprovado e, por definitivo, instituir o feriado nacional em comemoração, justa, do Dia da Consciência Negra.


 

Rogério Gomez é Administrador, Advogado, Gestor, Consultor, estudando as relações trabalhistas há mais de 30 anos.

Contato: rogeriogomez@rogeriogomez.com.br
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