Rogério Gomez fala sobre a terceirização ampla

A utilização da Terceirização ampla e irrestrita vem ganhando força com decisões do STF e do TST.

Seja no início, no fim ou no meio do processo produtivo a licitude do sistema foi chancelada com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, sendo acompanhada pelo Tribunal Superior do Trabalho que em novas decisões já referendou o entendimento da suprema corte, deixando de reconhecer vínculo de emprego entre trabalhador e tomador de serviços.

Desde seu início, perto dos anos 80, a validade do sistema de produção via terceirização é bastante questionada.

Quem apoia fala em necessidade de flexibilizar a legislação trabalhista para melhor desempenho da economia e desenvolvimento do País.

Quem é contrário alerta para o risco de precariedade dos direitos trabalhistas e  pulverização da classe trabalhadora.

Até pouco tempo não havia regulamentação, sendo que os questionamentos eram analisados sob o entendimento firmado na Súmula 331 do TST, que basicamente não validava o sistema quando o trabalho alcançava a atividade principal da tomadora, sua atividade fim, o seu objeto social.

Mas, a chamada Reforma Trabalhista, implementada pela Lei nº 13.467 de 2017, alterou a redação do artigo 4º-A, da Lei 6.019/1974, para legalizar a terceirização, positivando a seguinte norma:

“Art. 4o-A.  Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução.”

Assim, a nova regra passou a permitir o sistema de produção via terceirização ainda que na atividade principal da tomadora dos serviços.

Contudo, antes da inovação trazida em 2017, a constitucionalidade da Súmula 331 do TST já era questionado junto ao STF.

Apreciando a ADPF – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 324, que fora apresentada em 2014, bem como o RE – Recurso Extraordinário nº 958252 protocolado em março/2016, o STF acabou por firmar a seguinte tese jurídica de repercussão geral, em julgamento de 30/08/2018:

“É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.”

Entre outros fundamentos, para definir a tese, um dos Ministros argumentou que um modelo mais flexível é uma estratégia essencial para a competitividade das empresas e que restrições à terceirização violam os princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da segurança jurídica.

Outro argumento foi no sentido de ser essencial, para o progresso dos trabalhadores brasileiros, a liberdade de organização produtiva e que a proteção das leis trabalhistas continua a ser de observância obrigatória por todas as empresas da cadeia produtiva.

O TST, por sua vez, já começou a fundamentar suas decisões utilizando o entendimento do STF.

Em recente decisão, de 14/09/2018, em sede de Recurso de Revista proferida no processo TST-RR-67-98.2011.5.04.0015, a  4ª Turma do TST foi unânime em definir que em razão da natureza vinculante das decisões proferidas pelo excelso Supremo Tribunal Federal, deve ser reconhecida a licitude das terceirizações em qualquer atividade empresarial, de modo que a empresa tomadora apenas poderá ser responsabilizada subsidiariamente.

No caso acima o TST reverteu uma decisão do TRT da 4ª Região – Rio Grande do Sul – que havia reconhecido o vínculo de emprego entre um médico e uma tomadora de serviços do ramo hospitalar.

O médico havia sido contratado por uma empresa interposta que prestava serviços ao hospital e o Tribunal Regional havia entendido se tratar de uma terceirização ilegal, por abranger a atividade-fim do tomador. Na oportunidade acrescentou que restara configurada a pessoalidade, subordinação e habitualidade do trabalhador com o hospital.

O curioso, no caso,  é que mesmo havendo comprovação de subordinação, de que a prestação de serviço havia ocorrido entre 2007 e 2009 e, portanto, muito antes da lei da terceirização geral ou do entendimento do STF, mesmo assim o TST julgou que não havia problemas naquela relação de terceirização. Me parece uma aplicação de lei nova para regular situação pretérita.

No mesmo sentido, em outra recente decisão de 26/09/2018, no Recurso de Revista processo nº 21072-95.2014.5.04.0202, a 5ª Turma do TST também seguiu entendimento do STF, decidindo pela legalidade da terceirização de serviços, tanto na atividade-meio quanto na atividade-fim, absolvendo uma empresa de distribuição de energia que havia contratado serviços terceirizados para fazer a manutenção das suas linhas de transmissão.

Nesta decisão o relator, ministro Breno Medeiros, citou o atual entendimento do STF e afirmou que não houve fraude na relação do trabalho e registrou que “Após a decisão do STF, não há mais espaço para reconhecimento do vínculo empregatício com o tomador de serviço, sob o fundamento que houve terceirização ilícita”.

Com isso, não há dúvida que a terceirização geral e irrestrita ganha força.

Contudo, um aspecto que me parece mereça atenção é que no parágrafo 1º, do artigo 4º-A, da lei 6.019/74, incluído pela Lei nº 13.429/2017, está positivado o seguinte:

“A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores […]

Esse dispositivo me faz refletir que a terceirização geral não é tão irrestrita assim, pois a previsão legal, acima, pode abrir espaço para o entendimento de que, uma vez comprovada a existência de subordinação do trabalhador como o tomador dos serviços, ou seja, que quem dirige o trabalho é o tomador e não a empresa terceira, o vínculo empregatício original pode ser tido como nulo, vindo a Justiça do Trabalho a reconhecê-lo com o tomador dos serviços.

Aliás, cabe ressaltar que a definição de “empregado” ainda se encontra fixada conforme os requisitos dos artigos 2º e 3º, da CLT, enquadrando-se como tal a pessoa física que presta serviços de natureza não eventual, mediante salário e sob a dependência de empregador que dirige a prestação pessoal de serviços.

Portanto,  se é verdade que a terceirização utilizada de forma ampla e irrestrita agora é lícita, não é exatamente verdade que não se pode reconhecer o vínculo com o tomador, quando a relação de trabalho, entre as partes, reunir os requisitos dos artigos 2º e 3º, da CLT.

Uma coisa é a licitude da terceirização e outra é a existência do verdadeiro vínculo empregatício que pode estar acobertado pela fraude.

A ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho já se manifestou não ser a favor da terceirização geral, argumentando que tamanha liberdade causará rebaixamento de salários,  aumento da rotatividade, precarização nas relações laborais, colidindo com os compromissos de proteção à cidadania, à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho previstos no artigo 1º da Constituição Federal.

A Associação também critica a medida, já que o artigo 3º, também da Constituição de 1988, estabelece como objetivos fundamentais da República construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza, a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Portanto, apesar da terceirização geral caminhar a passos largos para solidificação, os princípios de proteção do trabalhador aparecem como um freio para o controle deste sistema de produção.

Espero que a inovação, de fato, seja utilizada para melhoria social de trabalhadores e empreendedores, contribuindo para aumentar a especialização e a eficiência dentro das atividades econômicas, melhorando o nível de emprego, renda e desenvolvimento do País.

Dentro deste contexto, se a própria “terceirização” pudesse se expressar, ela poderia plagiar Raul Seixas e dizer: “eu sou o início, o fim e o meio”.

 


 

Rogério Gomez é Administrador, Advogado, Gestor, Consultor, estudando as relações trabalhistas há mais de 30 anos.

Contato: rogeriogomez@rogeriogomez.com.br

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