No último dia 8 a Câmara dos Deputados votou e aprovou o texto básico do PL 4330/2004, relatado pelo Deputado Arthur Oliveira Maia, que regulamenta o processo de terceirização, deixando para votar pontos polêmicos, os chamados destaques, no próximo dia 14.
Não há dúvida que o projeto de lei é por demais polêmico, tendo inclusive expressas posições contrárias de entidade da magistratura, ANAMATRA, do Ministério Público do Trabalho entre outras.
Contudo, sem entrar no mérito das polêmicas e contrariedades levantadas por diversos setor da política e da economia, faço aqui uma análise sobre as repercussões que a nova lei, se aprovada como está, pode trazer para os atores sociais, pretendendo dar minha visão em relação às três partes envolvidas neste processo de terceirização: Contratante, Contratada e Trabalhador.
Neste primeiro post vou analisar possíveis repercussões sobre o ponto de vista da prestadora de serviços a terceiros, ou seja, a contratada.
Vejamos:
TERCEIRIZAÇÃO DE QUALQUER ATIVIDADE
O projeto está prevendo a possibilidade de a contratante terceirizar “parcela de qualquer de suas atividades” (artigo 2º, I), o que, para as empresas prestadores de serviços, num primeiro momento, pode ser condição interessante já que aumentam suas possibilidades de captação de negócio. Contudo, minha opinião é que as empresas prestadoras de serviços analisem com cuidado esta possibilidade, pois assumir a execução de qualquer atividade pode representar assumir riscos não computados em seus custos, vez que algumas atividades da contratante podem representar operação com certa complexidade, mas que no momento de euforia, para a concretização de mais um negócio, a prestadora não observe estar assumindo maiores riscos. Neste caso, em havendo erro de operação, à prestadora pode ser imputada a obrigação de reparação civil não imaginada. Assim, a prudência em assumir atividades de grande risco é conduta salutar antes de pensar em simples “captação de negócio”.
ESPECIALIZAÇÃO
Já na leitura do inciso II do mesmo artigo 2º, percebo que o projeto dá uma indicação de que a contratada deva ser uma empresa “especializada na prestação dos serviços contratados”, o que pode ocasionar dificuldades de ganho de mercado para algumas empresas que não possuem, em seus estatutos sociais, um objeto determinado de sua atividade econômica. Cito, como exemplo, uma empresa que traz no seu objeto social a “prestação de serviços a terceiros”, de forma geral, não indicando exatamente uma especialização. Assim, penso que este é um ponto que deva ser observado pelas empresas prestadoras de serviços, no sentido de analisar qual é de fato a sua especialização, já que atualmente muitas empresas oferecem e se propõem a prestar qualquer tipo de serviço, mas, com o novo projeto, parece que esta possibilidade passa a ficar restrita.
Em complemento ao acima apontado, percebo que o inciso III do artigo 2º reforça bastante a tese de que a prestadora de serviços deve ser uma empresa especializada, já que passa a elencar alguns requisitos para identificar uma prestadora de serviços. São eles: (a) a empresa deve ser especializada; (b) prestar serviços determinados e específicos; (c) possuir qualificação técnica, e (d) ter capacidade econômica compatível com o serviço a ser executado. Estes requisitos indicam que, diferente do que acontece hoje, onde a prestadora não encontra barreiras para se prontificar a prestar serviços, se aprovado o texto desta forma as empresas deverão demonstrar certa estrutura, organização, especialização e competência para assumir contratos, cabendo, assim, mais um ponto de atenção para as prestadoras, até porque o parágrafo 3º do artigo 2º deixa expresso que “A contratada deverá ter objeto social único, compatível com o serviço contratado, sendo permitido mais de um objeto quando este se referir a atividades que recaiam na mesma área de especialização”. Ainda, o parágrafo 5º do mesmo artigo 2º indica como as prestadoras deverão demonstrar sua qualificação técnica, elencando os seguintes requisitos: (i) comprovar aptidão para o desempenho da atividade, (ii) ter instalações e equipamentos, e (iii) equipe técnica qualificada, sendo que o parágrafo 6º ainda traz a exigência da prestadora ter de comprovar o seu registro nos respectivos órgãos de fiscalização, bem como o de seus responsáveis técnicos. Assim, me parece que ser especializada poderá ser uma condição para se enquadrar como uma terceirizada e possivelmente órgãos como os Conselhos de Administração e Engenharia, por exemplo, passarão a pressionar mais as empresas para que regularizarem seus registros, sob pena de serem multadas, sendo que possivelmente as contratantes também podem começar a fazer tal exigência para não assumirem uma responsabilidade solidária junto com as prestadoras.
GARANTIAS CONTRATUAIS
O que também pode se apresentar como um ponto de preocupação para as empresas prestadoras de serviços é o fato de constar, no projeto básico aprovado, no artigo 5º, inciso III, a exigência de a contratada apresentar garantia contratual equivalente a 4% do valor do contrato. Atualmente, esta exigência não é uma regra, embora ocasionalmente nos deparamos com esta condição imposta por algumas contratantes, mas para empresas que costumam trabalhar com margens pequenas isto pode ser um complicador para a conclusão do negócio, sendo que se a regra vingar as prestadoras possivelmente serão levadas a controlar muito bem seus custos ou a aumentar o preço para compensar esta nova exigência. No mais, conforme previstos nos parágrafos 1º e 2º do artigo 10, tal garantia poderá ser liberada somente após 90 (noventa) dias do encerramento do contrato, trazendo pequena complicação para o caixa da contratada.
RETENÇÃO DE FATURA
No inciso V, do artigo 5º, está prevista a possibilidade de interrupção do pagamento dos serviços prestados, quando a contratante constatar o inadimplemento das obrigações trabalhistas e previdenciárias pela contratada, o que possivelmente estimulará que os contratantes passem a ser bastante rigorosos com a contratada, no sentido de que esta prove o cumprimento de cada obrigação trabalhista, como, por exemplo, pagamento de vale transporte, de vale refeição, de férias, verbas rescisórias, depósito de FGTS e outros, o que, para empresa prestadora que possui um contingente razoável de empregados é um complicador operacional bastante considerável, pois pode ser obrigada a aumentar o custo de seu back office para poder dar conta de todo este controle e de comprovação perante os clientes, sob pena de ter sua fatura retida. E sabemos que o recebimento da fatura, especialmente para prestadores que basicamente possuem trabalhadores em sua operação, é condição sine qua non para cobrir as despesas salariais, encargos sociais, benefícios e tributos, de forma que tal previsão no projeto deve ser tida como um dos pontos de observação relevantes para que as prestadoras verifiquem se estão suficientemente organizadas para cumprir tal obrigação.
CONTRATAÇÃO DO TRABALHADOR TERCEIRO PELO CONTRATANTE
Um ponto que percebo seja bem desfavorável para as empresas prestadoras de serviços é o quanto disposto no parágrafo 3º do artigo 5º. Está disposto: “É nula de pleno direito, cláusula que proíba ou imponha condição à contratação, pela contratante, de empregado da contratada”. Acontece que normalmente as empresas prestadoras de serviços investem um valor considerável para recrutamento, seleção e treinamento de seus trabalhadores que ficarão à disposição das contratantes e, por este fato, comumente possuem disposição contratual no sentido de impedir que a contratante, por alguma razão, contrate seus empregados, até porque este é o seu produto ofertado ao mercado, ou seja, a mão-de-obra especializada e treinada. Entendo que esta proibição contratual até se justifica, pois, caso contrário, a prestadora poderia figurar como uma recrutadora e treinadora de mão-de-obra, que depois seria contratada pela tomadora dos serviços, sem ao mesmo ter o respectivo investimento reembolsado. Assim, pode ser que esta disposição do projeto venha a causar consideráveis prejuízos para as prestadoras, pois, minha experiência demonstra ser comum o fato de as tomadoras quererem contratar os empregados das prestadoras, já que isto é um caminho bem mais fácil do que sair a mercado para procurar o profissional correto para a vaga de que dispõe.
RETENÇÃO FINANCEIRA PARA PROVISÕES
O projeto também pode limitar a administração dos recursos financeiros da prestadora de serviços, uma vez que em seu artigo 9º a proposta abre a possibilidade de o contratante exigir que parte do valor do contrato, especificamente a parcela dos recursos financeiros que é destinada ao cumprimento das obrigações de natureza trabalhista e previdenciária, seja depositada em uma conta vinculada, o que pode tirar a liberdade da prestadora em gerir suas provisões conforme entenda seja a melhor maneira.
REFORMULAÇÃO DE TODOS OS CONTRATOS
O projeto também pode ensejar uma carga considerável de trabalho para a prestadora no que se refere à reformulação dos contratos. É que no artigo 23 está previsto que contratante e contratada “devem adequar o contrato existente no prazo de cento e oitenta dias” a partir da publicação da lei, de forma que, permanecendo o texto como está, as prestadoras que possuem muitos contratos deverão se organizar para reformulação de todos os instrumentos contratuais, o que ocasionará uma quantidade adicional de trabalho para os departamentos comerciais e jurídicos. Aliás, o parágrafo único do mencionado artigo veda a possibilidade de prorrogar contratos que não atendam ao disposto na nova norma.
Assim, se por um lado, para as prestadoras de serviços, é uma excelente notícia saber que seu segmento econômico em breve pode estar devidamente regulamentado, trazendo mais segurança jurídica, por outro o projeto impõe alguns pontos de preocupação para tais empresas, que devem ficar atentas para se organizarem e se adequarem às novas exigências legais caso o projeto seja sancionado como está.
Eu sou Rogério Gomez, administrador e advogado especializado em Direito do Trabalho.
(11) 94327-0398
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