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Em 22 de abril de 2015 a Câmara dos Deputados aprovou o texto final do PL 4330/2004 que regulamenta os contratos de terceirização, tendo encaminhado o texto para votação no Senado Federal.

Algumas alterações importantes foram incluídas em relação ao texto básico que havia sido aprovado em 8 de abril, ensejando pontos de atenção para as terceirizadas, sendo que outros pontos ainda encontram-se nebulosos quanto à sua melhor aplicabilidade e, assim, necessário será melhor análise sobre o que se pretendeu com a inclusão de certas disposições.

Ainda existem divergências acerca de pontos aprovados na Câmara, como por exemplo a não distinção de atividade meio ou fim, inclusive do próprio Governo Federal, existindo, assim, possibilidades de que algumas alterações sejam feitas no Senado ou até vetos aplicados pela Presidência.

Feitas estas ressalvas, faço aqui uma reanálise sobre as repercussões que a nova lei, se aprovada como está, pode trazer para as terceirizadas, em relação ao que havia sido aprovado no texto básico de 8 de abril.

 Terceirização de qualquer atividade

O texto final aprovado mantém a possibilidade de a contratante terceirizar “parcela de qualquer de suas atividades”, prevalecendo, então, a tese de não se distinguir entre atividade meio ou atividade fim para o processo de terceirização.

Assim, volto a observar que, para as empresas prestadoras de serviços, num primeiro momento, pode ser condição interessante já que aumentam suas possibilidades de captação de negócio. Contudo, minha opinião é que as empresas analisem com cuidado esta possibilidade, pois assumir a execução de qualquer atividade pode representar assumir riscos não computados em seus custos, vez que algumas atividades da contratante podem representar operação com certa complexidade, mas que no momento de euforia, para a concretização de mais um negócio, a prestadora não observe estar assumindo maiores riscos. Neste caso, em havendo erro de operação, à prestadora pode ser imputada a obrigação de reparação civil não imaginada. Portanto, continuo a pensar que a prudência em assumir atividades de grande risco é conduta salutar antes de pensar em simples “captação de negócio”.

Especialização e não Precarização

O texto final aprovado mantém indicação de que a contratada deve ser uma empresa “especializada na prestação dos serviços contratados”, o que pode ocasionar dificuldades de ganho de mercado para algumas empresas que não possuem, em seus estatutos sociais, um objeto determinado de sua atividade econômica. Cito, como exemplo, uma empresa que traz no seu objeto social a “prestação de serviços a terceiros”, de forma geral, não indicando exatamente uma especialização. Assim, penso que este é um ponto que deva ser observado pelas empresas prestadoras de serviços, no sentido de analisar qual é de fato a sua especialização, já que atualmente muitas empresas oferecem e se propõem a prestar qualquer tipo de serviço, mas, mantendo-se o texto como aprovado pela Câmara, me parece que esta possibilidade passa a ficar restrita.

Reforço que o texto final continua a elencar alguns requisitos para identificar uma prestadora de serviços, tais como: (a) a empresa deve ser especializada; (b) prestar serviços determinados e específicos; (c) possuir qualificação técnica, e (d) ter capacidade econômica compatível com o serviço a ser executado.

Estes requisitos indicam que, diferente do que acontece hoje, onde a prestadora não encontra barreiras para se prontificar a prestar serviços, sancionado o texto desta forma as empresas deverão demonstrar certa estrutura, organização, especialização e competência para assumir contratos, até porque o parágrafo 3º do artigo 2º deixa expresso que “A contratada deverá ter objeto social único, compatível com o serviço contratado, sendo permitido mais de um objeto quando este se referir a atividades que recaiam na mesma área de especialização”.

Foram mantidos os itens para que a prestadora de serviços demonstre sua qualificação técnica, devendo: (i) comprovar aptidão para o desempenho da atividade, (ii) ter instalações e equipamentos, e (iii) equipe técnica qualificada, bem como a exigência de comprovar o seu registro nos respectivos órgãos de fiscalização, quando a lei exigir qualificação específica para o trabalho, bem como o de seus responsáveis técnicos.

Assim, me parece que especialização será um requisito legal para se enquadrar como uma terceirizada e possivelmente órgãos como os Conselhos de Administração e Engenharia, por exemplo, passarão a pressionar mais as empresas para que regularizem seus registros, sob pena de serem multadas, sendo que possivelmente as contratantes também podem começar a fazer tal exigência para não assumirem maiores responsabilidades com as prestadoras.

Possibilidade de aumento da concorrência

O texto final aprovado passa a considerar também, como possíveis contratadas para a prestação de serviços terceirizados, as “Associações” e as “Fundações”, diferentemente do que previa o texto básico anterior onde se entendia serem elegíveis somente as sociedades com fins lucrativos.

É questão a ser observada, pois “Associações” e “Fundações”, conforme definidas pelo Código Civil, possuem finalidades diferentes das Sociedades. Por exemplo, conforme artigo 53 do CC as “Associações” são constituídas pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos. Já as “Fundações”, inclusive, nos termos do parágrafo único do artigo 62 do CC, somente podem ser constituídas “para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência”.

Portanto, aqui um ponto a ser observado no andamento de aprovação do projeto junto ao Senado e sanção presidencial, pois sociedades empresárias, associações e fundações possuem finalidades diferentes, inclusive no que tocam às regras tributárias, podendo, assim, ocasionar um tratamento não isonômico na questão concorrencial.

Garantias contratuais

A fixação de garantias também se manteve no texto aprovado.

Deverá constar nos contratos de terceirização a prestação de garantia, pelas empresas prestadoras, seja por intermédio de caução em dinheiro, seguro garantia ou fiança bancária, em valor equivalente a 4% do valor do contrato.

Como já dito anteriormente, atualmente esta exigência não é uma regra, embora ocasionalmente nos deparamos com esta condição imposta por algumas contratantes, mas para empresas que costumam trabalhar com margens pequenas isto pode ser um complicador para a conclusão do negócio, sendo que se a regra vingar as prestadoras possivelmente serão levadas a controlar muito bem seus custos ou a aumentar o preço para compensar esta nova exigência.

Manteve-se no texto que tal garantia poderá ser liberada somente após 90 (noventa) dias do encerramento do contrato, podendo trazer pequena complicação para o caixa da contratada.

Retenção de fatura

Foi mantida a possibilidade de interrupção do pagamento dos serviços prestados, quando a contratante constatar o inadimplemento das obrigações trabalhistas e previdenciárias pela contratada, o que possivelmente estimulará que os contratantes passem a ser bastante rigorosos com a contratada, no sentido de que esta prove o cumprimento de cada obrigação trabalhista, como, por exemplo, pagamento de vale transporte, de vale refeição, de férias, verbas rescisórias, depósito de FGTS e outros, o que, para empresa prestadora que possui um contingente razoável de empregados é um complicador operacional bastante considerável, pois pode ser obrigada a aumentar o custo de seu back office para poder dar conta de todo este controle e de comprovação perante os clientes, sob pena de ter sua fatura retida.

E, conforme já ressaltei em outro artigo, o recebimento da fatura, especialmente para prestadores que basicamente possuem trabalhadores em sua operação, é condição sine qua non para cobrir as despesas salariais, encargos sociais, benefícios e tributos, de forma que tal previsão legal passa a ser um ponto relevante para que as prestadoras verifiquem se estão suficientemente organizadas para cumprir tal obrigação.

Contratação do trabalhador da terceirizada pelo contratante

O texto final manteve um ponto que considero bem desfavorável para as empresas prestadoras de serviços. É que a norma passa a proibir cláusula contratual que impeça ou imponha condição à contratação, pela contratante, de empregado da contratada.

O inconveniente que registro e ratifico é que normalmente as empresas prestadoras de serviços investem um valor considerável para recrutamento, seleção e treinamento de seus trabalhadores que ficarão à disposição das contratantes e, por este fato, comumente possuem disposição contratual no sentido de impedir que a contratante, por alguma razão, contrate seus empregados, até porque este é o seu produto ofertado ao mercado, ou seja, a mão-de-obra especializada e treinada.

Aliás, entendo que esta proibição contratual até se justificaria, pois, caso contrário, a prestadora poderia figurar como uma recrutadora e treinadora de mão-de-obra, que depois seria contratada pela tomadora dos serviços, sem ao mesmo ter o respectivo investimento reembolsado.

Assim, me parece que esta disposição passará a causar algum prejuízo para as prestadoras, pois, minha experiência demonstra ser comum o fato de as tomadoras quererem contratar os empregados das prestadoras.

Retenção financeira para provisões

O texto final aprovado manteve a preocupação, para os contratos continuados por mais de um exercício, em preservar os direitos dos trabalhadores terceirizados, facultando que os valores destinados ao provisionamento para pagamento das obrigações trabalhistas e previdenciárias sejam depositados em conta vinculada aberta em nome da contratada.

Se esta faculdade legal tornar-se uma prática no mercado de terceirização, tirará a liberdade da prestadora em gerir suas provisões conforme entenda seja a melhor maneira, trazendo certa dificuldade no âmbito financeiro-administrativo.

Responsabilidade sim e solidária

Aqui temos um dos pontos de maior modificação em relação ao texto básico que havia sido aprovado em 8 de abril.

Enquanto o texto básico previa que a responsabilidade do tomador seria apenas de forma subsidiária quando provado que fiscalizava a prestadora de serviços, no texto final aprovado em 22 de abril a responsabilidade da tomadora passa a ser “solidária”, ou seja, responde pelo cumprimento das obrigações trabalhistas em igualdade de condições com a terceirizada.

Esta mudança significativa pode inibir a vontade de contratantes em terceirizar parte de suas atividades, já que passarão a ser responsáveis, também, pelos empregados de empresas terceiras contratadas.

O contratante como mais um fiscal da contratada

Se no texto básico aprovado em 8 de abril a contratante deveria fiscalizar a contratada para não responder de forma solidária, com o novo texto fica obrigada, independentemente da responsabilidade que agora é solidária, a exigir da contratada, mensalmente, a comprovação do cumprimento de pagamento de salários em geral, vale transporte,  FGTS e recolhimentos previdenciários.

Provavelmente esta exigência causará tanto um acréscimo de despesa e de tarefa para a contratante, como também para a contratada que deverá ter um fluxo de documentos e comprovantes bastante ajustada para comprovar o cumprimento da legislação trabalhista e previdenciária perante seus tomadores.

Obrigação em reformular todos os contratos

Manteve-se a obrigação de reformulação de todos os contratos de terceirização no prazo de 180 (cento e oitenta dias) após a publicação da lei.

Como já apontado anteriormente, esta obrigação ensejará uma carga considerável de trabalho para a prestadora no que se refere à reformulação dos contratos, especialmente para aquelas que possuem muitos contratos, até porque a nova lei reforça que os contratos vigentes não poderão ser prorrogados sem que atendam ao disposto da nova lei.

Quota de portadores de necessidades especiais

O texto final de 22 de abril inclui artigo importante para melhor organizar o dimensionamento da obrigação de contratação e preenchimento das quotas previstas no artigo 93 da lei 8.213/91.

O novo texto passa a obrigar as contratantes à dimensionarem suas cotas considerando o somatório de empregados efetivos e terceirizados.

A meu ver esta modificação ajusta uma questão que estava pesando sobre as terceirizadas, que estavam sendo cobradas por dimensionar suas cotas com base no total de funcionários cadastrados no CAGED, mas que na verdade estavam prestando serviços em favor de terceiros. Por um lado as terceirizadas encontravam certa dificuldade em alocar pessoas em seus contratos junto aos postos da contratante, mas por outro estavam sendo obrigadas ao preenchimento das cotas sem ter postos para alocarem tais trabalhadores. Assim, me parece medida acertada do novo texto que facilita a vida das terceirizadas neste particular, vez que, o entendimento imediato, é que seus empregados que estiverem alocados na contratante não farão parte do total de empregados para o dimensionamento da cota previsto na norma previdenciária.

Conclusão

Assim, se por um lado, para as prestadoras de serviços, é uma excelente notícia saber que seu segmento econômico em breve pode estar devidamente regulamentado, trazendo mais segurança jurídica, por outro o projeto impõe alguns pontos de preocupação para tais empresas, que devem ficar atentas para se organizarem e se adequarem às novas exigências legais caso o projeto seja sancionado como está.

Rogério Gomez, Advogado. Vivência, prática e estudo do Direito do Trabalho.

www.rogeriogomez.com.br

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